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25 de Abril de 2024

Juíza absolve acusado com coceira e que xinga enfermeiras do presídio

Publicado por Fátima Miranda
há 8 anos

Juza absolve acusado com coceira e que xinga enfermeiras do presdio

A Juíza Andrea Ferreira Bispo, da comarca de Santa Izabel do Pará, absolveu o acusado que teria ameaçado as enfermeiras porque estava preso, com coceira, não recebe remédio e nem informação de quando receberia. Daí que a exaltação não pode ser considerada crime. Consta expressamente da decisão:

Desse modo, o que se observa é que A. R. Estava acometido por prurido, patologia cuja causa os responsáveis pelo atendimento ao mesmo não se deram ao trabalho de averiguar. Tampouco foi ofertado ao denunciado um anti-histamínico que pudesse aliviar os sintomas. O que foi dito a ele é que não havia remédio disponível no posto de enfermagem. Ponto. Nenhuma explicação sobre quando ele seria atendido. Em outras palavras, ao denunciado somente restou arranhar-se para tentar obter algum alívio, porém esse ato faz com que as células e terminações nervosas inflamem-se e liberem histamina, produzindo mais prurido, gerando um círculo vicioso de prurido-arranhadura. No quadro de exaltação em que se encontrava o autor, bem como considerando que ele se encontra inserido no sistema penal – sobre cujas condições não é preciso dizer nada para que se saiba as cores do quadro medieval que ali se vê diuturnamente – o que se há de indagar é se as palavras do autor de fato representam uma promessa de que ele “iria matar todas as enfermeiras daquele centro” ou se ele apenas expressou a (justa) indignação por ver sua pena privativa de liberdade agravada pela falta de atendimento médico. E outra pergunta: o que o denunciado queria? Matar pessoas que nem ele indicou e provavelmente sequer sabe identificar ou simplesmente desejava um alívio para o prurido? Não desconheço a grande influência que as doutrinas que pregam o direito penal máximo exercem no imaginário popular e sei como elas terminam por ditar desde leis cada vez mais paranoicas a decisões judiciais igualmente destituídas de fundamentação teórica conforme a constituição.

Autos 0000231-25.2014.8.14.0049

Vistos etc.

Com base no TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA nº 76/2014.000040-9, o Ministério Público ofereceu denúncia contra A. C. R., qualificado às fls. 02.

Consta da denúncia que: “no dia 14 de janeiro de 2014, por volta das 11h30min, nesta cidade, o denunciado A. C. R. Ameaçou de morte a vítima F. S de A. M.. A vítima estava trabalhando como enfermeira no centro de atendimento do CRPP-II, quando o detento Alair que estava recebendo atendimento médico, passou a ameaça-la de morte dizendo que ‘IA MATAR TODAS AS ENFERMEIRAS DAQUELE CENTRO’, posto que precisava de medicamento e não estava sendo ofertado.

A conduta imputada ao mesmo é a descrita no art. 147, do CPB (ameaça).

Neste juízo foi juntada aos autos certidão positiva criminal, fls. 16/17.

Não consta dos autos informação sobre os motivos pelos quais deixou de ser realizada a audiência preliminar e tampouco despacho determinando a juntada de certidão de antecedentes e a remessa dos autos ao Ministério Público.

RELATEI. DECIDO.

Inicialmente, registro que o art. 129, III, da Constituição Federal, o art. 26, IV, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e o art. 47, do Código de Processo Penal, estabelecem que cabe ao Ministério Público requisitar diligências investigatórias diretamente à autoridade competente:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”.

“Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:

I – instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:

b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

IV – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los;”

“Art. 47 – Se o Ministério Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou possam fornecê-los”.

Desse modo, somente se houver requerimento do Ministério Público é que a Secretaria desta Vara deverá juntar aos autos certidão de antecedentes do autor do fato. Nesse sentido é a lição de Guilherme de Souza Nucci:

“Poder de requisição do Ministério Público: quando legalmente possível, cabe ao representante do Ministério Público exigir a apresentação de documentos ou a realização de diligências complementares para auxiliar na formação da sua convicção. Essa possibilidade, segundo entendemos, deveria ser utilizada com maior frequência pelo promotor, que, ao invés de tudo requerer através do juiz, poderia requisitar diretamente a quem de direito. Assim, precisando inquirir alguma pessoa que ficou foram da investigação policial, pode requisitar ao delegado em autos suplementares, que serão formados. Necessitando de um documento, oficia diretamente à repartição encarregada de fornecê-lo. Poupa-se tempo e a ação penal está em pleno curso, sem necessidade de tudo ser realizado através do juízo. Entretanto, há situações para as quais o Ministério Público não está, constitucionalmente, autorizado a agir, como, por exemplo, nos casos em que somente o juiz pode requisitar determinado documento, porque resguardado pelo sigilo fiscal ou bancário. Nessa situação, somente pode fazê-lo por intermédio do magistrado, a quem deve requerer – e não requisitar – a obtenção da prova almejada.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 8ª ed., São Paulo: RT, 2008, p.166).

Segundo. Conforme disciplina da Lei 9.099/95, em todos os Termos Circunstanciados de Ocorrência deve ser realizada audiência preliminar, independentemente do autor do fato reunir as condições previstas no art. 76 daquele diploma, ficando expressamente vedado à secretaria desta vara deixar de agendar o ato e de expedir as comunicações necessárias à ciência das partes e Defensoria Pública, até porque os critérios que orientam os juizados especiais não permitem a transmutação do seu rito para que seja, de fato, aplicado procedimento compatível com crimes que não são de menor potencial ofensivo.

Dito isso, recordo que se está diante de crime (em tese) de ação penal pública condicionada à representação da vítima:

“Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único – Somente se procede mediante representação”.

“Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade” (art. 72, da Lei 9.099/95).

“Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo” (art. 75, da Lei 9.099/95).

Desse modo, independente dos antecedentes do autor do fato, este poderá compor os danos cíveis, bem como não havendo tal composição, é na audiência preliminar que a vítima poderá oferecer representação.

Assim é porque embora a representação possa ser feita sem formalidades, trata-se de ato formal, razão pela qual deverá ser expressa, escrita e realizada perante o juiz, pois não se admite, no processo penal, qualquer interpretação contrária aos interesses do acusado, como seria o presumir que por ter ido à delegacia a vítima estaria demonstrando interesse na ação penal e, portanto, oferecendo representação.

No caso em estudo, observa-se que a enfermeira F S. De A. M. Foi levada a presença da autoridade policial por ordem do Diretor do Presídio, ou seja, ela não foi por conta própria levar a notitia criminis ao órgão competente para apurar a ocorrência da suposta infração penal, fls. 07 e 09.

Nas declarações por ela prestadas, fls. 10, não há manifestação expressa da vontade de que seja instaurada ação penal, que de resto não poderia ser considerada válida, uma vez que não teria sido feita em juízo.

Ademais, os fatos descritos pela enfermeira F. S. De A. M., indiciam a atipicidade da conduta imputada ao denunciado.

Efetivamente. Consta das declarações dela que (fls. 10):

“A vítima informa que na data de hoje estava em seu local de trabalho, posto de atendimento de enfermagem do CRPP-II de XXXX, quando o interno daquela Casa Penal A. S. Da C. Passou e passou a fazer ameaças a declarante e a sua colega A. S. Da C., dizendo que iria matar todas as enfermeiras daquele centro, em razão de que ele estava com coceira e queria remédio, no entanto o medicamento não tinha no posto de enfermagem. Que a colega enfermeira A. S. Presenciou e foi ameaçada, no entanto ela ficou com medo de comparecer nesta Seccional e que os agentes JOÃO VITOR que ia levando o preso a tudo assistiu sobre as ameaças, não tendo outras testemunhas do fato”.

Desse modo, o que se observa é que A. R. Estava acometido por prurido, patologia cuja causa os responsáveis pelo atendimento ao mesmo não se deram ao trabalho de averiguar.

Tampouco foi ofertado ao denunciado um anti-histamínico que pudesse aliviar os sintomas. O que foi dito a ele é que não havia remédio disponível no posto de enfermagem. Ponto. Nenhuma explicação sobre quando ele seria atendido.

Em outras palavras, ao denunciado somente restou arranhar-se para tentar obter algum alívio, porém esse ato faz com que as células e terminações nervosas inflamem-se e liberem histamina, produzindo mais prurido, gerando um círculo vicioso de prurido-arranhadura.

No quadro de exaltação em que se encontrava o autor, bem como considerando que ele se encontra inserido no sistema penal – sobre cujas condições não é preciso dizer nada para que se saiba as cores do quadro medieval que ali se vê diuturnamente – o que se há de indagar é se as palavras do autor de fato representam uma promessa de que ele “iria matar todas as enfermeiras daquele centro” ou se ele apenas expressou a (justa) indignação por ver sua pena privativa de liberdade agravada pela falta de atendimento médico.

E outra pergunta: o que o denunciado queria? Matar pessoas que nem ele indicou e provavelmente sequer sabe identificar ou simplesmente desejava um alívio para o prurido?

Não desconheço a grande influência que as doutrinas que pregam o direito penal máximo exercem no imaginário popular e sei como elas terminam por ditar desde leis cada vez mais paranoicas a decisões judiciais igualmente destituídas de fundamentação teórica conforme a constituição.

No caso em exame, sabe-se que o denunciado encontra-se cumprindo pena privativa de liberdade e, por isso, suas palavras hão de ter gerado maior receio em todas as enfermeiras que prestam serviço naquela Casa Penal, já que ele não identificou ou se dirigiu especificamente a qualquer pessoa ao dizer que ia matar.

Porém, se o pânico igualmente não deve (ria) ditar sentenças, muito menos o pode fazer a presunção de culpabilidade que recai sobre todas as pessoas que são inseridas no sistema penal.

Por isso, da mesma forma que as palavras ditas impulsivamente, sem seriedade e idoneidade, não configuram o crime de ameaça, também as bravatas, mesmo aquelas que são “mais surradas que colchão de hospedaria” como dizer o agente que “vai acabar ou matar alguém”, não caracterizam o crime de ameaça.

Dito mais uma vez: se não se exige de qualquer pessoa que tenha apenas palavras gentis para enfrentar as vicissitudes da vida e se até ministro do STF já mostrou destempero ao se dirigir a seus pares sem que com isso passasse pelo dissabor de uma ação penal, vamos nós exigir do denunciado que se conforme com a prisão e se vire com as próprias unhas?

Ora, quer me parecer que o Direito Penal não existe para tal finalidade, até porque, evita-se acontecimentos como o relatado nestes autos não impingindo a alguém uma ação penal, mas sim dando-lhe remédio para coceira.

Posto isso, considerando que a vítima não ofereceu representação dentro do prazo decadencial de seis meses, bem como que o fato imputado ao denunciado é atípico, REJEITO A DENÚNCIA.

Publiquem-se. Registrem-se. Intimem-se. Cumpram-se.

Transitada em julgado, arquive-se.

Santa Izabel do Pará, 31 de agosto de 2015.

Andrea Ferreira Bispo

Juíza de Direito

Titular do JECC/Santa Izabel do Pará

Portaria TJPA/SG n.º 028/2015

Fonte: emporiododireito

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